GTec - Newsletter - 28.04
Newsletter (mais ou menos) quinzenal do Grupo de Estudos em Filosofia e História da Técnica
Olá, pessoal, esta é mais uma edição da newsletter do GTec. Nela, falamos sobre o próximo encontro, dedicado à alagmática, de Gilbert Simondon, e também falamos mais e mais de Simondon, Kodwo Eshun e Alick Nkhata. Aproveitem!
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Próximo encontro
O GTec volta a se reunir na próxima quarta-feira, 04/05, a partir das 18h. Mais informações e o link para o encontro estarão disponíveis, logo mais, no site da APPH.
A partir das questões legadas da metodologia do texto de Ramon Amaro e Murad Khan, debatido na reunião anterior, leremos o excerto sobre a alagmática de Gilbert Simondon, texto em anexo na sua tese A individuação à luz das noções de forma e de informação.
Nesse curto ensaio, Simondon trabalha a metodologia filosófica que formou a base do seu estudo da individuação. Em parte, a alagmática de Simondon introduz uma releitura de um Platão prévio ao exemplarismo metafísico, optando pelo que chama de paradigmatismo lógico; por outro lado, a alagmática surge do interesse de Simondon pela cibernética como um conhecimento geral das operações. É pela teoria alagmática que Simondon se desfaz da analítica hilemórfica e/ou substancialista – que se concentra nas identidades entre forma e matéria – e trabalha uma perspectiva ontogenética, onde enfatiza os nexos estabelecidos entre operações, ou entre operações e estruturas, no processo de individuação. Ao fim, Simondon propõe através da alagmática uma ciência analógica que consiga estabelecer os nexos entre os campos científicos já constituídos por ciências analíticas.
O encontro também faz parte dos preparativos para a entrada na discussão sobre a cibernética que faremos no GTec no próximo semestre.
O texto para discussão pode ser acessado no seguinte link.
Cursos de maio na APPH
Nossa instituição-mãe, a Associação de Pesquisas e Práticas em Humanidades, está com um calendário especial em maio, com o retorno de alguns cursos favoritos do público e novos cursos. Todos os cursos têm quatro encontros e valor de R$150 para o público-geral, junto de uma série de descontos para apoiadores e oferecimento de bolsas para estudantes. Mais informações sobre os cursos podem ser acessadas aqui.
O dilema biopolítico, ministrado por Ádamo da Veiga, ocorrerá na segundas-feiras e tem como objetivo problematizar o conceito de “biopolítica”, introduzido por Michel Foucault, em suas diferentes iterações no pensamento contemporâneo. A partir de Foucault, o curso se desdobra pela “necropolítica”, de Achille Mbembe, e pelos textos de Giorgio Agamben sobre a pandemia. Estes textos, por mais polêmicos e controversas que sejam, nos ajudam a pensar a relação entre biopolítica e formas de poder na contemporaneidade.
Passos para a Geofilosofia: introdução ao pensamento de Gilles Deleuze, nas terças-feiras, é a mais nova edição do curso de André Araújo sobre o filósofo francês. O curso traz como foco a fase mais tardia da reflexão de Deleuze e busca compreender a formação de um pensamento filosófico que é inscrito na terra e feito no aqui e no agora, deslocando a centralidade da história humana como agente único de seu desenvolvimeto.
Introdução ao pensamento de Isabelle Stengers: política e ciência no tempo das catástrofes, com Fernando Silva e Silva, às quartas-feiras, é também um curso que retorna à programação da APPH. O curso é uma ampla introdução à obra da pensadora belga desde a filosofia da ciência até o problema da catástrofe ambiental e os desafios que coloca para as práticas científica e filosófica.
Por fim, O olho da história: o gaio saber visual de Didi-Huberman, ministrado por Anelise De Carli, serve como uma introdução avançada ao pensamento do filósofo e historiador da arte francês. No curso, é destacado o papel da imagem na legibilidade da história, propondo-se uma “política da imaginação” a partir do arquivo visual, do cinema e da fotografia.
Caderno de campo: Ramon Amaro e Murad Khan
A leitura de “Towards Black Individuation and a Calculus of Variations”, de Ramon Amaro e Murad Khan, motivou uma série de avanços e a necessidade de revisar alguns conceitos, como o de “alagmática”, que serão abordados no próximo encontro. Abaixo, estão as principais conclusões da nossa leitura do texto:
1. A comparação com a leitura anterior e, na verdade, com o que já lemos da obra de Denise Ferreira da Silva ocupou boa parte da discussão do texto de Amaro e Khan – aliás, como não poderia deixar de ser. Essas proximidades e distanciamentos se tornam mais compreensíveis caso se compreenda as operações efetuadas por ambos, como destacou Pedro Drumond. Nesse sentido, o texto de Amaro e Khan procuraria desestabilizar o sistema de individuação que torna instável – ou impossível – a individuação negra, enquanto Denise Ferreira da Silva procuraria contestar as coordenadas filosóficas que constituem o negro.
Embora não pareçam, ambas as proposições são bastante diferentes, principalmente caso se considere, com Denise Ferreira da Silva, que o desafio à filosofia é feito através da valorização da matéria e da coisa contra sua redução à ausência de significado e/ou material a ser plasmado por outras formas, como a ontoepistemologia racista ocidental, enquanto no texto dos autores, argumentou Pedro, a vinculação ao pensamento de Gilbert Simondon implica em não haver o interesse de substituir uma filosofia por outra.
Como será evidenciado a seguir, o que é a individuação negra e qual o papel da filosofia foram as principais questões levantadas pela leitura do texto;
2. Rafael Moscardi Pedroso, em sua leitura, criticou o privilégio da filosofia no texto, algo que destacou em duas intervenções – unidas, porém, pelo mesmo argumento. Numa primeira intervenção, destacou que a filosofia torna visíveis as mediações entre a linguagem e o sistema de percepção, de modo que o tensionamento dos sistemas que impedem a possibilidade da individuação negra deve ser feito através da linguagem.
Num segundo momento, porém, o mesmo privilégio concedido à filosofia foi questionado por ele, que criticou justamente o grau de abstração concedido à reflexão. Numa ponderação bastante pertinente, ele questionou porque parece ser necessário sempre retornar à tradição metafísica ocidental quando se reflete sobre a técnica. De certo modo, não seria mais fácil abordar a técnica caso outros sistemas, como o econômico, fossem considerados anteriores à metafísica? Onde a filosofia sobre a técnica poderia chegar sem o recurso à metafísica?
3. Quanto a isso, vale a pena considerar, como fez Gabriel Gonzaga, a relação entre filosofia, individuação e alagmática, mostrando a relação do pensamento dos autores com Simondon. No caso, como ele bem destacou, a alagmática, ao enfatizar as operações e as relações, busca adiar a filosofia; nesse sentido, a alagmática, como ciência das operações, é auxiliar no processo de individuação, enquanto a filosofia, ao já trabalhar com formas individuadas, estaria no âmbito do transindividual.
Em outras palavras, a alagmática é a ciência das operações mas também o operador das individuações, enquanto a filosofia está vinculada à síntese da relação entre percepção e mundo, ou seja, aquilo que Simondon chama de “reticulação”;
4. Essa precisão conceitual, no entanto, não facilita necessariamente o trabalho de entender o que é a individuação negra, tema do texto, mas ajuda a compreender como são estabelecidos os entraves para que ela ocorra num sistema – que os autores chamam de “sistema de equivalência racial” – que é dominado pela individuação branca.
A proposta dos autores, nesse sentido, é que o negro é uma espécie de excesso de valor nesse sistema de equivalências. Dito de outro modo, o problema racial não é resultado da individuação do negro, mas da individuação do branco, porque o negro é, justamente, excesso de cálculo.
O que os autores pretendem, portanto, é escapar de uma situação na qual a raça é pré-definida e serve para enquadrar apenas os sujeitos negros. Eles propõem, então, uma inversão, pois é o branco que se individua através do conceito de raça, enquanto o negro é aquilo que lhe escapa porque não é totalmente determinado por esse sistema de equivalência racial. O vetor da raça, portanto, é introduzido pelo branco, enquanto os sujeitos negros têm potencialidades que estão muito além do que a raça lhes consigna;
5. Quanto a isso, é importante distinguir entre o indivíduo negro e a individuação negra. O indivíduo negro é existente no sistema de individuação branca, como um de seus produtos (o outro produto é o branco). O que acontece é que, nesse sistema que produz o branco, a possibilidade da individuação do negro, a possibilidade de que ocupe a mesma posição como sujeito da técnica à qual o branco se arroga, é interditada.
Voltam, porém, as comparações com a obra de Denise Ferreira da Silva. Como destacou Pedro Drumond, isso significa que a individuação negra tem de ser criada ou tem de ser reabilitada no mesmo sistema já existente? Deve-se proceder a uma ética da recusa, como afirma Denise Ferreira da Silva, ou a uma política da reforma?
6. Por outro lado, como destacou Gabriel Gonzaga, lembrando da fórmula de W.E.B DuBois sobre a dupla consciência que caracteriza a relação – dobrada e ambígua – dos sujeitos negros com a tradição europeia e negra, pode-se entender que a individuação negra tem a duplicidade como um de seus traços fundamentais, de onde deriva seu próprio excesso frente ao sistema de determinações raciais.
A individuação negra está dentro do processo da individuação do branco, mas não responde por ele, ou seja, não se identifica complemente com ele. Por isso, o adiamento da filosofia.
Não se conhece o indivíduo negro, só se sabe do indivíduo individuado aquilo que a individuação mostra. No sistema de individuação branca, o indivíduo negro ainda não é real, pois o negro aparece como tal para a branquitude, mas essa forma de aparecimento é distinta das formas pelas quais os indivíduos negros – leia-se, a vivência e a tradição de pensamento negras – tentam representar para si o que é o negro.
Nesse adiamento, que é próprio da alagmática, talvez esteja a principal ligação entre o texto dos autores e o pensamento de Simondon, assim como o principal encaminhamento do texto, qual seja, é justamente nesse adiamento, parte do pré-individual, que a individuação negra pode se constituir como sujeito da técnica – e técnica, para Simondon, é justamente a possibilidade de se individuar.
7. Voltando a esse ponto, entretanto, é necessário se resguardar, como fez Pedro Drumond, de leituras do pré-individual que o caracterizam como o virtual frente ao real, tal como faz Gilles Deleuze. Do mesmo modo, pode-se recordar, como fez Rafael Pedroso, sobre o papel que é concedido ao elenco de tais relações, quando existem sistemas que operam a nível material que garantem a situação de incompletude do sujeito negro.
8. Ressalvas à parte, a leitura fortaleceu, por fim, a pertinência de uma analítica filosófica da raça, como tem sido feita, entre outros autores, por Denise Ferreira da Silva. Como foi dito na reunião, trata-se de pensar o pensamento deturpado pela raça na esperança de corrigi-lo ou, até mesmo, de revogá-lo.
Outras referências
O objeto técnico negro. Por aqui, estamos ansiosos com a publicação de The Black Technical Object: On Machine Learning and the Aspirations of Black Being, resultado da pesquisa de doutoramento de Ramon Amaro, nosso autor do último encontro. O livro está previsto para sair em 15/06 pela Sternberg Press com distribuição da editora do MIT. Esperamos que o livro esteja logo acessível nas plataformas digitais.
Filosofia da Técnica. A Unimontes, de Minas Gerais, está promovendo o evento Filosofia da técnica: entre o político e o ontológico. Iniciado em 25/04 e terminando amanhã, 29/04, são seis sessões, entre conferências e mesas-redondas, com pesquisadoras e pesquisadores brasileiros que atuam no campo da filosofia da técnica. Entre os temas, serão feitas revisões de campo no Brasil, assim como a problematização da relação entre técnica e mito, tecnopolítica e cosmotécnica e transumanismos e pós-humanismos. As falas estão sendo transmitidas pelo canal Agenciamentos Contemporâneos, no YouTube, onde também estão disponibilizadas para quem não conseguiu acompanhar ao vivo.
Máquina aberta. Nessa semana, foi lançado o livro Máquina aberta: a mentalidade técnica de Gilbert Simondon, organizado por Thiago Novaes, Evandro Smarieri e Lucas Vilalta. O livro traz as contribuições de dezoito autores nacionais e estrangeiros, além da tradução de “A mentalidade técnica”, ensaio de Simondon inédito no Brasil.
O lançamento do livro contou com atividades presenciais na Unicamp, organizada pelo do Grupo de Estudos Gilbert Simondon (GrEGS), e no MAM/RJ, esta última com a presença de Vinícius Portella Castro, nosso colega de GTec.
Para quem não conseguiu conferir os eventos, todos eles presenciais, segue o link para a aquisição do livro, lançado pela Editora Dialética. Será, com certeza, uma das principais obras de referência sobre o pensamento de Simondon no país nos próximos anos.
Simondon por Laruelle. Ainda sobre Gilbert Simondon, nosso colega Pedro Drumond compartilhou conosco a leitura de François Laruellle de sua obra. Explorando o conceito de “primeira tecnologia”, o texto foi publicado originalmente em 1994 e está disponível na tradução para o inglês na pasta do GTec no Google Drive.
Como destacou no encontro, o texto pode ser interessante para compreender o nexo entre Simondon e a não-filosofia de Laruelle que parece marcar os trabalhos de Denise Ferreira da Silva e Luciana Parisi, ainda mais considerando que Simondon fornecia a fundamentação explícita para a proposta de Amaro e Khan.
More Brilliant than the Sun. Um grupo de estudantes da Escola de Pós-Graduação em Comunicação da UFRJ, liderados por Daniela Avellar e Diogo Cunha, iniciarão já na próxima segunda-feira um grupo de leitura de More Brilliant than the Sun, coletânea de ensaios de um dos autores mais interessantes a sair da fermentação teórico-crítica da Inglaterra dos anos 1990, Kodwo Eshun. As reuniões ocorrerão quinzenalmente, sempre às segunda-feiras, através do Google Meet. Mais informações e link para acesso às reuniões, só entrar em contato com Daniela Avellar e Diogo Cunha através de seus e-mails, disponíveis no link em seus nomes acima.
Rádio, independência e colonialidade. O programa Reimagining Country, de Jamal Khadar, na NTS, é uma das grandes pérolas do rádio/streaming atual. O programa busca repensar a tradição da música country conforme é apropriada em outros contextos que não o norte-americano, ao mesmo tempo que explora a combinação entre gêneros “locais” e as influências internacionais do mercado da música em meados do século XX.
Tudo isso para dizer que o último programa, que foi ao ar em 19/04, explorou a trajetória de Alick Nkhata, um dos principais músicos de Zâmbia. Conquanto Zâmbia seja particularmente conhecida pela música pós-independência, o programa destacou a atuação de Nkhata como voz da emancipação nacional de Zâmbia que operava, ao mesmo tempo, nas rádios coloniais e como, nesse papel ambíguo, conseguiu forjar seu espaço de atuação entre independência e colonialidade, entre inovação e tradição.
Vale a pena ouvir, especialmente para entender na prática o funcionamento do rádio na luta anticolonial, aspecto já trabalhado pelo GTec quando lemos Frantz Fanon.
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