GTec - Newsletter - 18.08
Newsletter quinzenal do Grupo de Estudos em Filosofia e História da Técnica
Olá, pessoal, esta é a mais nova edição da newsletter do GTec. Nela, voltaremos a Stiegler, Simondon, raça, tecnologia e viés algorítmico, assim como passaremos pelas mitologias da técnica, incluindo a pedra de Exu, que atinge o ontem a partir de hoje.
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Próximo encontro
Nosso próximo encontro será na quarta-feira, 25/08, às 18h. O evento já está disponível no site da APPH, no qual o link para a reunião no Zoom será aberto minutos antes do encontro. Para acessar o site da APPH e conferir mais informações, é só seguir este link.
No próximo encontro, voltaremos à leitura de Técnica e tempo, de Bernard Stiegler. A leitura prevista é o segundo capítulo da primeira seção do livro, intitulado “Technology and Anthropology”. O capítulo é um diálogo com o trabalho de Andre Leroi-Gourham, servindo de fundação para a construção que o autor fortalecerá depois: a relação entre técnica e tempo no fundamento do próprio entendimento do que é a humanidade. O autor busca no próprio fazer técnico, na confecção mesma dos utensílios na aurora da humanidade enquanto espécie, indícios da relação entre momento presente, experiência e projeção que é a principal característica da relação entre técnica e tempo.
Como afirma Stiegler, “Se, como Simondon nos levou a concluir, o dinamismo tecnológico do objeto industrial permanece ligado ao dinamismo humano sob a condição de que aquele permite a antecipação, nós iremos em direção à paleoantropologia enquanto a ciência da origem e da evolução do ser vivo que antecipa, compreendendo a paleoantropologia como a ciência da origem e da evolução dos objetos técnicos”.
Como o encontro, portanto, continuaremos no caminho de refletir sobre quem é o humano que é criado pela técnica.
O capítulo, junto a todo o primeiro volume de Técnica e tempo está disponível na tradução para o inglês na pasta do GTec no Google Drive.
Mais Stiegler
Nossa biblioteca de e sobre Bernard Stiegler continua crescendo. Nosso colega Pedro Drumond compartilhou a tradução de Daniel Ross para o texto “Elements for a Neganthropology of Automatic Man”, do próprio Stiegler. Publicado neste ano na Philosophy Today, o texto é uma resposta à automatização do conhecimento na atualidade para escapar à entropia e à “antropia” que a caracterizam. Refletindo sobre temas contemporâneos e atualizando o diagnóstico de Heidegger sobre a modernidade, o texto é um belo exemplar do Stiegler tardio. Lembrando que a obra final de Stiegler foi dedicada justamente a oferecer essas respostas ao mundo moderno, o que ele chamou de “negantropoceno”. Uma série de artigos e conferências do autor em torno do tema foi reunida por Daniel Ross em volume em inglês com acesso aberto para a versão em .pdf. Para quem tiver interesse, segue o link.
No Brasil, Moysés Pinto Neto nos apontou para seu próprio texto sobre o filósofo francês. Intitulado “Bernard Stiegler, pensador do humano e da tecnologia”, o artigo fornece uma bela introdução às linhas-mestras do pensamento de Stiegler. Lembrando que não cansamos de recomendar a série de quatro vídeos do canal Transe, mantido por Moysés Pinto Neto, que apresentam um panorama da obra e das principais questões da filosofia de Stiegler.
Também acrescentamos alguns artigos que refletem sobre aspectos da obra de Stiegler. De interesse para a continuidade de nossa leitura de Técnica e tempo, “Rousseau, Stiegler and the Aporia of Origin”, de Ben Roberts, examina a leitura que o filósofo francês recente faz do filósofo francês mais antigo. Já Daniel Ross (novamente), no artigo “The Pharmacology of Shame, or Promethean, Epimethean and Antigonian Temporality” explora um tema que já havia sido abordado por Günther Anders – a “vergonha prometeica” –, mas pelo ponto de vista de Stiegler, ressaltando sua relação com a temporalidade.
Simondonianos do mundo
Estão abertas duas chamadas para diálogos acadêmicos com a obra de Gilbert Simondon. A primeira é da Red Latinoamericana de Estudios Simondonianos que, em diversas datas já no final agosto, setembro e outubro reunirá pesquisadoras e pesquisadores que demonstrem leituras “indisciplinares” do filósofo francês. Para os organizadores do seminário, o trabalho de Simondon está justamente no trânsito entre disciplinas e ganha em “potência inventiva” justamente ao não estar preso às amarras disciplinares. Para participar, basta enviar um resumo expandido com 1.000 palavras, título da apresentação, nome e titulação e cinco palavras-chave para o e-mail reles@lists.gilbertsimondon.org.
E, em recorte bastante parecido, a revista Idéias, da Unicamp, está com chamada aberta para publicação no dossiê “Gilbert Simondon: reticulações contemporâneas na América Latina”. Organizado por Evandro Smarieri, Fabiano Galleti Faleiros, Pedro P. Ferreira e Stefano Schiavetto, todos da Unicamp, e Laura Francis, da UFRJ, o dossiê celebra os dez anos do evento “Informação, tecnicidade e individuação: a urgência do pensamento de Gilbert Simondon, realizado em 2012 na própria Unicamp. Foi a partir desse evento que os Colóquios Internacionais Gilbert Simondon foram realizados. Interessados podem enviar suas contribuições até 1º de novembro. Segue o link para maiores informações.
Biblioteca APPH
A APPH tem um novo projeto, a Biblioteca APPH. É uma série de encontros ao vivo no YouTube para dialogar com novas publicações, lançamentos e reedições. Os encontros serãos às sextas-feiras à noite e promoverão o contato entre autoras e autores, pesquisadoras e pesquisadores, editoras e editores que compartilham dos saberes que compõem o universo da APPH. Fiquem de olho que o GTec vai participar também desse projeto.
O primeiro encontro, já marcado para a sexta-feira, 20/08, às 20h, contará com o escritor Daniel Galera, que apresentará seu novo livro, O Deus das Avencas e mediação de André Araújo e Fernando Silva e Silva. No livro, composto por três novelas e, até o momento, o experimento formal mais radical na obra do autor, a APPH faz uma participação mais do que especial. Segue o link com mais informações sobre o encontro e para acompanhar na sexta-feira.
Outras referências
Raça como tecnologia. Seguindo o tema do nosso último encontro, disponibilizados na pasta do GTec no Google Drive a introdução, assinada pela grande pesquisadora canadense das mídias digitais Wendy Hui Kyong Chun, do dossiê intitulado “Race as/and technology”, originalmente publicado na revista Camera Obscura em 2012. Como destaca a autora, de maneira bastante provocativa, no primeiro parágafo do texto, o dossiê pergunta “em que medida raça e tecnologia estão interligadas? Raça pode ser considerada uma tecnologia ou forma de mídia – isto é, não apenas como um mecanismo, mas também como uma arte prática ou industrial? Poderia a raça não ser apenas um objeto de representação, de conhecimento ou verdade, mas também uma tecnologia que é utilizada, mesmo quando se é usado por ela – um sistema de ferramentas, meios e enquadramentos cuidadosamente confeccionados e historicamente condicionados que constroem a própria história e identidade?”. Para quem tiver mais interesse no volume, segue o índice com todas as contribuições, infelizmente não disponíveis online.
Viés algorítmico. A construção parcial e enviesada das tecnologias de mídia na paisagem social contemporânea também recebeu destaque no último encontro e uma série de referências nos ajudam a pensar mais no tema. Duas delas são de nossos colegas do Baixa Cultura. A última BaixaCharla, série de conversas disponibilizadas no YouTube, tratou de racismo algorítmico, convidando Tarcízio Silva, pesquisador que, nessa altura, dispensa apresentações entre os leitores da newsletter.
Também do Baixa Cultura, a coletânea Manifestos Cypherpunks ainda está com financiamento aberto para sua publicação em forma impressa, mesmo após dobrar, triplicar e quadruplicar sua meta. A coletânea traz algumas das primeiras traduções dos seminais textos de pensadores, ativistas e programadores que buscam conjugar tecnologia e privacidade para além do olhar do Estado. Mais informações no próprio site do Baixa Cultura.
Lembrando que o Baixa Cultura já fez o serviço essencial de traduzir A ideologia californiana, de Richard Barbrook e Andy Cameron. Publicado em 1995, o ensaio não perdeu sua relevância ao destacar as limitações políticas do tecno-otimismo Vale do Silício.
Nossa colega Giordana Bruno também recomendou a leitura de artigo da Vice sobre o tratamento diferenciado que publicações do ISIS e de supremacistas brancos recebem no Twitter. O texto é uma janela interessante para as limitações do entendimento da inteligência artificial, com uma série de questões em torno do significado de termos e palavras ambíguas, e dos atravessamentos entre tecnologia e política. Segue o link para a matéria.
Mais Marx, menos Heidegger. Com esse título, a dissertação de nosso colega Rafael Moscardi Pedroso já está disponível no sistema da PUC-Rio. Trata-se de uma leitura bastante original da relação entre trabalho, antropoceno e valor. Para isso, o autor dialoga com leituras da Ecologia Marxista, destacando o trabalho como atividade metabólica, isto é, “uma forma de relacionamento socialmente mediada com a natureza”. O trabalho pode ser acessado aqui e vale a leitura para uma reflexão atualizada e teoricamente desafiadora sobre os limites do pensamento e do ativismo contemporâneos.
Ainda sobre o assunto, o livro de Kohei Saito sobre a relação entre Karl Marx e o pensamento ambiental, já mencionado em edições passadas da newsletter, foi traduzido para o português pela Boitempo. Recém lançado no país, O ecossocialismo de Karl Marx é outra leitura instigante que mostra a vitalidade do pensamento marxiano para a atualidade.
Como já destacamos, a partir de Matteo Pasquinelli, para o entendimento da técnica moderna, é preciso mais Marx e menos Heidegger.
Mitologias da técnica. Nosso ocasional colega (estamos sentindo sua falta!) Vinicius Portella Castro ministrará o curso Uma introdução à mitologia no Lugar de Ler, espaço de cursos e discussões em São Paulo. O curso, que será online, “pretende fazer uma introdução ao estudo da mitologia do ponto de vista da teoria literária”, ressaltando a relação entre mythos e logos como central para o pensamento ocidental e construindo pontes entre a Antiguidade e as apropriações da mitologia nos séculos XIX e XX. O curso ocorrerá em cinco encontros entre 2 e 30 de setembro e as inscrições estão abertas até à véspera de início das aulas. Mais informações no site do Lugar de Ler.
Ainda sobre o assunto, vale a pena acompanhar o breve fio de Luiz Antonio Simas sobre a relação entre temporalidade, o “anjo da história”, de Walter Benjamin, e a pedra lançada por Exu, que alcança o passado a partir do presente.
Em especial, a referência a Exu nos fez pensar em Ogum, o orixá da tecnologia, e lançou a pergunta sobre o que outras mitologias, além da greco-romana, com seus Hefesto, Prometeu e Epimeteu, poderiam contribuir com perspectivas mais variadas sobre a técnica. Não seria esse o ponto de virada no conceito de cosmotécnica avançado por Yuk Hui?
Xamanismo digital. Para quem estiver interessado na relação entre glitch, xamanismo e música, pode se interessar pela coletânea Cybernetic Defiance and Orgasm, uma introdução ao universo de Henry Kawahara. O músico japonês é um especialista em ocultismo cujos discos, ao menos aqueles lançados entre 1991 e 1996 no Japão, eram vendidos em livrarias, e não em lojas de música. Como destaca o release do lançamento pela EM Records, Kawahara é dono “de uma concepção ampla e visionária da tecnologia digital misturada ao desejo de se libertar dos limites da racionalidade. O resultado é um ambient único. O lançamento está disponível no Bandcamp e, para conhecer mais dos trabalhos de Kawahara, seguem dois links com discos no YouTube, aqui e aqui.
Trevor Paglen, Fanon (Even the Dead Are Not Safe) (2017), parte do projeto Eigenface, do artista norte-americano. Paglen inverteu o reconhecimento digital de imagens para produzir uma representação visual computadorizada de uma série de autores, entre eles Frantz Fanon. Em vez de pensar que o computador nos vê, o trabalho nos oferece a oportunidade de presenciar como a tecnologia digital compreende a nós, seus sujeitos de compreensão.
Essa foi a nova edição da newsletter do GTec. Compartilhe, divulgue e se inscreva para receber nossas novidades. A newsletter é enviada quinzenalmente.
Lembrando que o GTec é uma atividade apoiada pela Associação de Pesquisas e Práticas em Humanidades, com sede em Porto Alegre e ramificações por todos os lugares que a internet alcança. É uma organização sem fins lucrativos, mantida apenas pelo trabalho dos colaboradores e pelas atividades realizadas nela. Por esse motivo, se você puder, apoie a APPH através da conta do apoia.se/apph