GTec - Newsletter - 15.09
Newsletter quinzenal do Grupo de Estudos em Filosofia e História da Técnica
Olá, pessoal, essa é a mais nova edição da newsletter do GTec. Nela, divulgaremos nosso próximo encontro, dedicado mais uma vez a Bernard Stiegler, assim como retomaremos nossa discussão sobre Rousseau, escravidão, organizações políticas, ativismo digital, logística e as relações entre Simondon, mito e música.
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Próximo encontro
Nosso próximo encontro está programado para a quarta-feira, 22/09, às 18h. O link para a reunião estará disponível no site da APPH logo antes do encontro. No site, também é possível conferir mais informações sobre a próxima reunião.
No encontro, leremos o terceiro capítulo de Técnica e tempo, de Bernard Stiegler. Intitulado “Who? What? The Invention of the Human”, o capítulo é um desdobramento da reflexão anterior sobre a dupla origem do humano identificada em Jean-Jacques Rousseau. Partindo da própria expressão – “invenção do humano” –, Stiegler se pergunta o que ou quem inventa, assim como o que ou quem é inventado? Com isso, ele descentra a agência humana da relação entre antropologia e tecnologia, abordando o processo de evolução descrito por André Leroi-Gourham em sua arqueologia.
Stiegler também ressalta que é relevante se perguntar pela invenção do humano porque a filosofia, nos últimos dois séculos, tem se preocupado com o “fim do homem”. Mas, se todo início implica um fim, perguntar pela origem do humano significa também questionar o nascimento da própria morte, isto é, o surgimento de uma temporalidade orientada para a morte que é característica do ser humano.
O texto está disponível na pasta do GTec no Google Drive, acessível aqui.
Caderno de campo: Rousseau
Nosso debate em torno do Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, de Rousseau, soltou merecidas faíscas, levando adiante a reflexão sobre técnica, raça e a categoria de humano que temos conduzido nos últimos meses. As principais questões são resumidas a seguir:
Levantado por nossa colega Brenda Renny, ficou ainda a questão acerca de qual a relação entre o Rousseau de Stiegler e o Rousseau do Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade. Em outras palavras, o que Stiegler vê em Rousseau que mereceu sua inclusão na análise feita em Técnica e tempo? Gabriel Gonzaga e Rafael Moscardi Pedroso destacaram que, assim como em outros momentos da obra, Stiegler não procura necessariamente questionar a leitura de Rousseau, mas identifica nela uma espécie de indício sobre o surgimento da antropologia que é preciso, de um lado, confirmar e, de outro lado, questionar. Em Rousseau, portanto, Stiegler encontra justamente a relação entre antropologia e tecnologia, ainda que ele não possa se fiar a essa análise até o fim, devido à problemática da dupla origem que ele mesmo identifica no texto;
Gabriel Gonzaga corretamente identificou a ausência de uma reflexão sobre o papel do escravo na obra de Rousseau. O escravo, como bem apontou, está presente tanto no estado de natureza quanto no estágio da civilização, o que aponta a possibilidade de um ordenamento jurídico da sociedade que o preveja antes mesmo da existência do direito de propriedade privada, invalidando o cerne da reflexão de Rousseau sobre a passagem de uma fase à outra. Em sua formulação, Gabriel destacou que o escravo seria o terceiro vértice do triângulo composto junto do selvagem e do civilizado;
Aqui, usamos “escravo” para se referir à condição geral do sujeito sob o regime de escravidão, independente da forma histórica que tenha assumido. Estamos cientes da expressão mais correta no contexto brasileiro,“escravizado”, mas seguindo a própria reflexão pós-colonial, atentamos para o “escravo” como um problema jurídico, político e filosófico da tradição ocidental. Com exceção desse uso, sempre que for necessário ou mais correto, utilizaremos “escravizado”.
Na sua relação com a técnica, a figura do escravo leva a uma espécie de aporia no pensamento de Rousseau, pois se a técnica é necessária para alcançar plenamente o estatuto de humano, saindo do estado de natureza, o que acontece com aqueles que, mesmo tendo técnica, têm o estatuto de humano negado por sua condição de escravo? Nesse sentido, o escravo é o contraponto do humano, sua imagem em negativo;
Em resposta, Rafael destacou a transição do estado de natureza para a civilização é também a transição para uma sociedade com o Estado. Assim, o terceiro elemento, que problematiza a linearidade do desenvolvimento proposto por Rousseau, é a introdução do conceito de soberania, à qual o civilizado está sujeito;
Por fim, uma pergunta que restou sem resposta (olá, Simondon) é a possibilidade de uma filosofia que não seja dependente da categoria de escravo, de uma técnica que não produza essa mesma categoria e, num questionamento direto aos pressupostos implícitos na leitura heideggeriana da Gestell, de uma filosofia da técnica que não seja dependente da noção de “escravidão” para se referir à relação entre os indivíduos e os objetos técnicos. Isso é possível?
A vida é a arte dos encontros
Nosso grupo-irmão, 3TRG, retomará suas atividades na segunda-feira, 27/09, às 13h. Serão lidos trechos do livro Medium, Messenger, Transmission, da alemã Sybille Krämer. Na obra, a autora apresenta dois princípios para a comunicação, o postal e o erótico. Mais informações sobre o encontro estarão disponíveis logo mais no site da APPH, enquanto o texto está disponível na pasta do grupo no Google Drive.
Sybille Krämer é parte de uma geração intermediária da teoria alemã das mídias, composta de pesos-pesados como Wolfgang Ernst e Bernhard Siegert, e outros autores, um pouco menores, como Markus Krajewski e a infelizmente falecida Cornelia Vismann. Com exceção de Ernst, todos esses autores têm em comum a preocupação com a prática; o entendimento da comunicação a partir da organização de sistemas, inclusive administrativos, expandindo temporal e mesmo antropologicamente a ideia de comunicação; e a desconfiança com relação à mediação como operação transparente – toma essa, McLuhan –, ressaltando os aspectos operativos dos meios sobre o processo de comunicação. Em outras palavras, vale a pena ler Sybille Krämer.
Para quem está disposto a preencher ainda mais a agenda, fica a forte recomendação de outro grupo de estudos, coordenado por nosso colega Rafael Moscardi Pedroso. Como parte do Circuito de Pesquisas Cibernéticas, Rafael continuará à frente do Circuito de Economia Política e Organização, cujo próximo encontro, na sexta-feira, 24/09, às 17h30, será dedicado à leitura de “O problema da escola no anarquismo e o caso do comunismo cibernético”, de Aurora Apolito.
Depois de refletir sobre o surgimento da moeda e os fundamentos da econômica, o Circuito de Economia Política e Organização se dedicará à reflexão sobre as formas da organização política, tentando pensar formas de luta coletiva que sejam descentralizadas mas, nem por isso, estejam restritas ao âmbito local. Central no texto de Apolito, a questão é justamente como aumentar a escala dos experimentos de autogestão, buscando alternativas às práticas hierárquicas e/ou estatais mas tampouco idealizando a horizontalidade dos movimentos contemporâneos. Seria a cibernética uma forma de alcançar isso?
Outras referências
Mais Stiegler. A dupla origem da humanidade, proposta por Stiegler a partir de Rousseau, é o tema de Michael Haworth em “Bernard Stiegler on Transgenerational Memory and the Dual Origin of the Human”, publicado em 2016 em Theory, Culture and Society. Partindo da epigenética evolutiva, o autor questiona a leitura feita por Stiegler, contrapondo-a a desenvolvimentos neo-lamarckistas na teoria da evolução que apontam a transmissão da memória entre gerações. Para quem tiver interesse na leitura, ela está disponível na seção sobre Stiegler da pasta do GTec no Google Drive.
O que é um objeto? A partir de Yuk Hui e da afirmação de que ele pratica uma “filosofia orientada a objetos”, discutimos brevemente na última reunião o chamado “realismo especulativo”, movimento na filosofia recente que colocou o objeto em primeiro plano. Uma bela introdução ao tema da objetualidade, em suas diversas formas, está numa série de podcasts da rádio do MACBA, o Museu de Arte Contemporânea de Barcelona. Intitulada Objecthood, são oito programas coordenados por Roc Jiménez de Cisneros e que contam com a participação de pensadores e artistas como Luciana Parisi, Florian Hecker, Kali Malone, Martin Holbraad, Hito Steyerl, entre outros. Os episódios estão disponíveis no site da rádio MACBA.
Chamada de textos sobre raça e tecnologia. A revista Outrora, publicação discente do curso de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que conta com a presença da nossa colega Giovana Bruno no corpo editorial, lançou chamada para o dossiê temático “Raça e tecnologia: ferramentas algorítmicas como ameaça e possibilidade de luta”. Mais informações podem ser encontradas no site da Outrora. As submissões estão abertas até 10/10.
Ativismo digital na África. Continuando no assunto, Serge Katembera, um dos principais pesquisadores no Brasil sobre ativismo digital e especialista na África francófona ministrará a aula aberta intitulada “Ativismo digital na África: crescimento e shutdowns, duas faces de uma revolução”, como parte do PPG em Sociologia da Universidade Federal Fluminense. A aula será na sexta-feira, 17/09, às 10h. Para acompanhar a aula, basta se inscrever no seguinte link.
Logística e cadeias de produção. Para quem tiver interesse em humanidades digitais, Matthew Hockenberry, da Fordham University, nos Estados Unidos, lançou a plataforma Manifest, definida por ele como “um conjunto de ferramentas para visualizar, analisar e documentar cadeias de suprimentos, linhas de produção e redes comerciais”. A plataforma traz uma série de visualizações das matérias-primas e os locais de produção, além de sua transformação, até se transformarem em mercadorias com valor de mercado. 2021 é o ano da logística tornada visível e a plataforma de Hockenberry ajuda a aumentar a consciência dos processos produtivos.
Música, técnica e mito. A excelente newsletter Tone Glow, dedicada à música contemporânea, publicou uma extensa entrevista com o trompetista francês Jean-Luc Guionnet. Na entrevista, que trata do processo criativo do músico, a relação entre mímese e música e muitos outros temas, Guionnet também fala sobre sua formação em filosofia, a partir da qual passou a refletir sobre a natureza dos instrumentos musicais. Sobre o assunto, ele comenta a respeito de sua perspectiva dos instrumentos enquanto objetos técnicos resultantes da acumulação de saberes ao longo do tempo. Acertou quem pensou em Gilbert Simondon, mencionado por Guionnet como uma de suas inspirações em seu processo criativo.
Também vale a pena ouvir os últimos dois programas da dupla Time Is Away, formada por Jack Rollo e Elaine Tierney, na rádio online NTS. Nos episódios, o livro Honey from the Weed, um conjunto de memórias culinárias de Patience Grey na Itália setentrional, é transposto para ensaios sonoros que versam sobre a relação entre técnica, mito e culinária. Se o fogo está na origem da técnica, vale a pena lembrar para que ele era utilizado. Os episódios estão disponíveis aqui e aqui.
A arte de divulgação do próximo encontro do GTec é uma obra do artista makuxi Jaider Esbell, que também participa da 34ª Bienal de São Paulo. Para conhecer mais de sua obra, fica a indicação dessa entrevista na Revista Gama, além dessa pequena entrevista no canal de YouTube da própria Bienal.
Essa foi a nova edição da newsletter do GTec. Compartilhe, divulgue e se inscreva para receber nossas novidades. A newsletter é enviada quinzenalmente.
Lembrando que o GTec é uma atividade apoiada pela Associação de Pesquisas e Práticas em Humanidades, com sede em Porto Alegre e ramificações por todos os lugares que a internet alcança. É uma organização sem fins lucrativos, mantida apenas pelo trabalho dos colaboradores e pelas atividades realizadas nela. Por esse motivo, se você puder, apoie a APPH através da conta do apoia.se/apph