GTec - Newsletter - 12.05
Newsletter quinzenal do Grupo de Estudos em Filosofia e História da Técnica
Olá, pessoal, nesta edição da newsletter do GTec, vamos falar de François Laruelle, mais um pouco de Gilbert Simondon, Safiya Umoja Noble, algoritmos e colonialismo digital.
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Próximo encontro
Na próxima quarta-feira, 18/05, a partir das 18h, o GTec terá seu próximo encontro dedicado ao pensamento de François Laruelle. Conhecido por seu clamor à não-filosofia, o nome de Laruelle tem aparecido com inesperada recorrência em nossos encontros, principalmente aqueles dedicados às relações conflituosas entre os temas da tecnologia, raça e colonialidade com o cânone filosófico.
Esse primeiro contato com Laruelle será através de um debate sobre “Le concept d’une ‘technologie première’”, texto pensado inicialmente como comentário sobre o pensamento de Gilbert Simondon, autor importante para o GTec, mas que se realiza como uma ampla reflexão crítica sobre o que convencionou-se chamar de "filosofia da técnica". Laruelle, certa vez acusado por Jacques Derrida de praticar "terrorismo", procura sequestrar a noção de "essência" de sua hospedagem filosófica e deslocá-la ao registro cativo da ciência. Se isso é possível, o que essa ciência teria a dizer sobre a "essência da técnica"? É essa a pergunta que uma pretensa "tecnologia-primeira" ousará responder. Tal tentativa de uma "teoria unificada" da Técnica e Tecnologia se dá através de um exame sobre Gilbert Simondon e Martin Heidegger, considerados como avatares de uma onto-tecno-logia, ou seja, arautos da premissa de que a questão da técnica se confunde com a questão do ser e, com isso, se reconhece como filosoficamente fundada.
Le concept d’une ‘technologie première reproduz muitos aspectos particulares da escrita de François Laruelle e, por isso, serve também como plataforma de introdução ao seu pensamento. Para além desse fim pedagógico, o GTec aceitará o desafio de pensar um saber científico sobre a técnica fora das coordenadas da filosofia e da história.
O texto, originalmente publicado em 1994 em francês, está disponível em duas traduções para o nosso encontro. Para acessá-las, basta clicar aqui ou aqui.
Mais informações sobre o encontro, assim como o link para acessar a reunião, estarão disponíveis em breve no site da APPH.
François Laruelle
François Laruelle, como dito acima, é um pensador que tem aparecido de maneira recorrente em nossos encontros. Seu nome foi primeiramente evocado na discussão sobre Denise Ferreira da Silva, quando a possibilidade de uma recusa e de um pensamento que procura valorizar a coisa, a matéria, antes de sua transformação – decisão – em algo surgiu em nossos encontros. Desde então, Laruelle tem sido essa companhia sub-reptícia em muitas de nossas discussões.
De qualquer modo, para quem quiser entender mais sobre o pensamento do autor francês, sugerimos alguns volumes introdutórios e de discussão de diferentes aspectos de sua obra. Os livros são Laruelle: Against the Digital, de Alexander R. Galloway, aliás já citado nesta newsletter, assim como Laruelle and Non-Philosophy, editado por John Mullarkey e Anthony Paul Smith; este último, Anthony Paul Smith, é também autor de uma introdução intitulada François Laruelle’s Principles of Non-Philosophy, que apresenta uma visão panorâmica da obra do autor francês. Por fim, mais direcionado mas, nem por isso, menos interessante, Superpositions: Laruelle and the Humanities, editado por Rocco Gangle e Julius Greve, que debate a relação de Laruelle com diferentes correntes – na sua maioria – do marxismo e da teoria crítica.
Caderno de campo
Ainda que breve, o anexo de Gilbert Simondon sobre a alagmática rendeu uma longa discussão que tocou, entre outros pontos, na relação de sua obra com o estruturalismo e com a cibernética; a exploração dos conceitos de operação, indivíduo e relação; e, por fim, no próprio potencial para o entendimento da relação entre individuação e técnica quando pensada a partir do sujeito negro. Para quem tiver interesse, os principais pontos da nossa discussão estão elencados a seguir:
1. Um primeiro aspecto que causou estranhamento – e abriu as portas para a leitura crítica do texto – foi a proximidade da alagmática, enquanto ciência das operações, com o pós-estruturalismo. Para entender isso, porém, é preciso dar um passo atrás e compreender a relação entre indivíduo e relação, que é constituinte do processo alagmático.
Quanto a isso, vale a pena compreender que operação e estrutura, na alagmática proposta por Simondon, realmente se diferenciam enquanto polos dinâmico e cristalizado de uma mesma relação. Não se trata de dizer, para retomar outro termo do léxico simondoniano, que operação e estrutura se contrapõem, mas que são diferentes fases de um mesmo processo. Qual processo é esse?
2. Dito isso, o segundo aspecto que é necessário precisar é justamente o que é o indivíduo. Na proposta de Simondon, o indivíduo não é identificado à estrutura. Ainda que o indivíduo esteja cristalizado numa ou noutra forma, o indivíduo não é puramente estrutura, de modo que o que não é individuo não seria estruturado. De maneira ainda mais complexa, o que Simondon propõe é que o indivíduo é o resultado da relação entre operação e estrutura. O ser individuado contém os dois, operação e estrutura, o que acontece é que, tal como na indeterminação entre onda e partícula da luz, o indivíduo pende mais à operação ou à estrutura de acordo com a situação.
Não é por outro motivo, pode-se dizer, que a alagmática estuda o indivíduo antes da sistemática especial ou da estruturação temporal. Esse “antes” não é o momento anterior ao surgimento dos limites espaciais e temporais de uma forma definida, isto é, do indivíduo individuado, mas significa que, ao menos logicamente, a alagmática se preocupa com ambas as fases, daí não sendo possível distingui-las de antemão.
3. Para continuar a referência do texto ao vocabulário da filosofia de Simondon, pode-se dizer, por fim, que o indivíduo, contendo tanto a operação quanto a estrutura, está numa situação metaestável. Mais uma vez, não é à toa que Simondon descreva o indivíduo da alagmática como tenso e supersaturado, pois o indivíduo está nesse equilíbrio instável. Ele é uma cristalização possível de uma relação que, a princípio, não tem porque permanecer a mesma.
4. Com isso, podemos voltar à questão do estruturalismo ou, melhor, do pós-estruturalismo. A princípio, a proposta de Simondon é bastante próxima do dinamismo estrutural que caracterizará o pós-estruturalismo.
Sobre esse ponto, Pedro Drumond destacou que o pós-estruturalismo pode ser compreendido como uma espécie de hiperestruturalismo, no sentido de colocar em evidência um vazio constitutivo sobre o qual a estrutura se torna um princípio de conhecimento. Por esse motivo, o pensamento estruturalista tende à generalidade.
Ainda assim, o problema levantado pelo estruturalismo – e pelo pós-estruturalismo – diz respeito aos limites do conhecimento. Isso é melhor problematizado no pós-estruturalismo, por exemplo no pensamento de Jacques Derrida, em que a categoria de suplemento indica o que está fora da relação estrutural e que, dessa maneira, resiste à concepção do conhecimento como inserção dos objetos em estruturas.
Esse é um ponto importante – principalmente, a noção de resto ou suplemento, aliás mobilizada também por Denise Ferreira da Silva – que será retomado na continuidade da leitura de Simondon.
5. O outro aspecto, derivado daí, levantado por Pedro Drumond, é a relação entre o pós-estruturalismo e a cibernética. Essa relação, inicialmente amistosa, depois se transforma numa série de suspeitas do primeiro com relação ao último. Mesmo assim, a princípio, o que o pós-estruturalismo percebe que se aproxima da cibernética é a possibilidade de compreender a comunicação de uma perspectiva externa, sem estar vinculada à noção de significado. É a possibilidade de uma semiose sem significação, como diria Felix Guattari, que aproxima pós-estruturalismo e cibernética.
6. De qualquer modo, em ambos os casos, estruturalismo e cibernética, é o colocar em movimento de uma “cena estrutural” que faz o resíduo – resto, suplemento – aparecer, logo desafiando também alguma rigidez – caricata, certamente – que foi condenada no estruturalismo.
À diferença disso, a alagmática, por exemplo quando comenta sobre sua relação com uma ciência analítica e uma ciência analógica, tenta integrar estruturalismo e cibernética. Simondon faz isso integrando-as justamente num sistema que contém a operação e a estrutura.
Nesse sentido, a cena alagmática já inclui o resíduo que não cabe na estrutura. Este resíduo é incorporado na operação, também ela dotada de dinamicidade. Ao contrário do estruturalismo e da cibernética, a alagmática é expressão de uma vontade de conhecimento não-dicotômica, uma vez que integra significado e assignificação, forma e sinal, operação e estrutura, numa mesma unidade que, em Simondon, recebe o nome de ato.
A facilidade com que Simodon produz uma síntese entre estruturalismo e cibernética provém do fato de não ser fiel tampouco considerar necessário manter os termos dois dois. Ao integrá-los, Simondon os supera.
7. Justamente aí, porém, começam os problemas que podem ser relacionados a nossas leituras anteriores. Como a alagmática integra tanto o que está fora – o resíduo – quanto o que está dentro – a estrutura –, pode-se dizer que o conhecimento, em Simondon, é sempre uma interiorização. É a inscrição numa sistematicidade dinâmica que torna, como destacou Pedro Drumon, o saber uma máquina de expropriação de inteligibilidade do mundo, o que é outra forma de mencionar a ontoepistemologia que Denise Ferreira da Silva tanto critica.
8. Outro aspecto, agora relacionado à leitura de Ramon Amaro e Murad Khan, é o efeito de tal pensamento sobre a noção do sujeito e da individuação. No texto dos autores, a individuação negra é uma espécie de resíduo que o sistema de equivalência racial branco não consegue conter. Entretanto, se considerarmos, a partir de Simondon, que não existe fora a uma relação de conhecimento, então a aplicação da individuação à individuação negra tal como fazem os autores só é possível caso se considere – o que, por si, já é interessante – que é apenas na individuação do branco que o negro pode se apresentar assim.
Ou seja, é preciso resistir à cristalização das categorias de Simondon mas, ao fazê-lo, aproxima-se, mais uma vez, a proposta de Amaro e Khan do pensamento de Denise Fereira da Silva.
9. O problema, para o entendimento da individuação, é que, aceitando-se a dinamicidade das categorias de Simondon e a ausência de um fora que o dote de valorização justamente porque é o produto externo de uma relação, o indivíduo individuado não pode ser definido pela falta. Não é possível contrapor sujeito hegemônico e sujeito subalterno pela ausência ou por não atender a determinada concepção ideal. Mas, então, como compreender esse sujeito, se ele tampouco é um sujeito solar?
Uma saída, proposta por Gabriel Gonzaga e por Giovana Bruno, é entender o sujeito a partir da relação, como faz Édouard Glissant. Não se trata, assim, de colocar o sujeito em relação a algo, mas entender que o sujeito já é, desde sempre, relação.
Por esse motivo, como destacou Gabriel Gonzaga, talvez a alagmática seja um conhecimento sobre como operar os nexos entre operações e estruturas, no sentido do conhecimento produzido ser – sobretudo – prático. O produto da alagmática, pode-se dizer, é um indivíduo que pode ou não ocupar a posição de sujeito, mas que está sempre e, principalmente, por causa da técnica, em relação com o mundo.
10. Para isso, e finalizando este extenso caderno de campo, foram destacadas as relações entre a alagmática e a reticulação que constitui, de forma primeva, a relação entre figura e fundo que compõem, pode-se dizer, a primeira individuação. A noção de reticulação, como destacado em Do modo de existência dos objetos técnicos, é extremamente importante para Simondon.
O segundo ponto é que foi corretamente apontada por Pedro Drumond a existência de uma redundação do termo “operação” no excerto sobre a alagmática. Essa redundância aparece, por exemplo, quando a alagmática é definida tanto como uma ciência das operações quanto contendo em si operações e estruturas. Existiria, assim, dois níveis nos quais a operação, com o perdão da redundância, opera.
Uma proposta de resolução à qual chegamos é, principalmente ao entender os tipos de dinamismo entre operação e estrutura que existem, dissecar o quadro proposto por Simondon em três termos: operação, estrutura e transdução. A transdução é justamente a mudança de nível que ocorre na individuação que parece ser produzida pela relação entre operação e estrutura. Essa pequena correção, parece, pode evitar mal-entendidos na hora de compreender a importância da alagmática.
Outras referências
Algoritmos da opressão. Não sabemos como, mas a tradução para o português do importante livro de Safiya Umoja Noble, vertido como Algoritmos da opressão, escapou do nosso radar. O livro foi publicado pela Editora Rua do Sabão e está disponível na loja virtual da editora, assim como em formato Kindle no site da Amazon.
Para quem tiver interesse no livro, já aproveita e compra Algoritmos de destruição em massa, de Cathy O’Neil, que também foi traduzido e publicado pela Rua do Sabão. Um combo dos dois livros, mais a obra Empregos, férias, compras e robôs, de Edson Antônio, está com desconto no site da editora.
Colonialismo digital. Hoje mesmo, na quinta-feira, 12/05, às 19h30, o PimentaLab, da UNIFESP, que não cansamos de divulgar aqui, fará uma discussão sobre Extrativismo de Dados e Colonialismo Digital. Para o encontro, serão lidos os artigos “Data Colonialism: Rethinking Big Data’s Relation to the Contemporary Subject”, de Nick Couldry e Ulises A. Mejias, e “Data Epistemologies: The Colonaility of Power and Resistance” de Paola Ricaurte.
Para acessar os textos, basta entrar no site do PimentaLab, e, para obter o link da reunião, é só mandar e-mail para pimentalabunifesp@gmail.com até às 18h. Corra e garanta seu lugar na reunião.
Transmediale. A Transmediale, festival de cultura e tecnologia que ocorre anualmente em Berlim, do qual faz parte também o CTM, encontro de música e tecnologia na mesma cidade, está com chamadas abertas para contribuições em diversos formatos. O tema do próximo festival será “escala” e a relação entre escala e os problemas contemporâneos, de dimensão planetária.
Para participar da seleção, basta enviar uma proposta, uma biografia curta e informações de contato até o dia 30/06. Como diz a chamada, ela é aberta para algoritmos, trabalhos artísticos, bots, discussões, ensaios, eventos, experimentos, filmes, palestras, projetos online, mesas-redondas, performances, obras sonoras, caminhadas e oficinas. Mais informações aqui.
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