GTec - Newsletter - 06.04
Newsletter quinzenal do Grupo de Estudos em Filosofia e História da Técnica
Olá, pessoal, esta é a mais nova edição da newsletter do GTec. Hoje, divulgaremos o próximo encontro e falaremos sobre estética, o Uno, logística, infraestrutura, navios encalhados, escuta maquínica, Shanghai e Alan Turing, entre outros tópicos aparentemente desconexos.
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Próximo encontro
Nosso próximo encontro será na quarta-feira, 14/04, às 18h. O evento já foi criado no Facebook, onde também está o link para as leituras (e para o vídeo) do dia. Lembrando que o link para a reunião estará disponível no site da APPH logo antes do início do encontro.
O próximo encontro trará uma série de inovações para o GTec. Intitulado Ciberfeminismos contra-hegemônicos, será o primeiro encontro dedicado integralmente à interrelação entre gênero, raça e tecnologia.
Para isso, leremos “The Future Looms: Weaving Women and Cybernetics”, de Sadie Plant, e “Indigenous Circuits: Navajo Women and the Racialization of Early Electronic Manufacture”, de Lisa Nakamura.
Plant é uma das fundadoras do antigo CCRU (Cybernetic Culture Research Unit), importante grupo do qual surgiram nomes importantes, como Nick Land e Mark Fisher, para a análise da cultura, tecnologia, política, teoria feminista e as possíveis interrelações entre esses temas. No texto, Plant recupera a figura de Ada Lovelace, considerada a primeira programadora de computação da história, de modo a abordar a Revolução Industrial como um deslocamento fundamental nas práticas de gênero. Ao passo que a tarefa da costura saía das casas para as fábricas, Plant demonstra a tensão entre tecnologia e patriarcado na qual a imagem do homem começa a ser solapada e na qual os processos de abstração do capital evidenciam a convergência entre tecnofobia e misoginia.
Lisa Nakamura, por sua vez, trata da proletarização das mulheres navajo no Vale do Silício e a implantação de fábricas no território indígena, processo que, segundo a autora, foi facilitado pela paralelo entre a manufatura de eletrônicos e as práticas tradicionais de tecelagem.
Além disso, uma terceira referência para o encontro é a palestra de Sadie Plant no encontro Seduced & Abandoned: The Body in the Virtual World, de 1994. Disponível no YouTube, a palestra considera o ciberespaço não como a negação do corpo, mas como um vetor que o reformula, assim como seus limites.
Os textos estão disponíveis na pasta do GTec no Google Drive, enquanto a palestra de Plant pode ser acessada no seguinte link.
“Nota complementar”
No último encontro, comentamos seguidamente sobre a importância do texto “Nota complementar sobre as consequências da noção de individuação”, de Gilbert Simondon. Elaborando os processos de individuação frente à noção de valor, o texto serve de transição entre sua tese principal, A individuação à luz das noções de forma e de informação, e sua tese menor, Do modo de existência dos objetos técnicos. Disponibilizamos o texto no seguinte link, o qual foi editado na tradução recente publicada pela Editora 34 de A individuação. Lembrando que o livro está com 50% de desconto no site da editora.
Ainda para os escritos de Simondon, uma vez que o capítulo VI de Do modo de existência dos objetos técnicos trata das relações entre técnica e estética, nossa colega Gabriela Mureb lembrou do texto “Sobre a técno-estética”. Inicialmente uma carta de Simondon a Jacques Derrida, o texto aprofunda a relação entre os dois modo de pensamento e ação - a técnica e a estética. Para uma problematização da noção de técno-estética, também indicamos o artigo “A contribuição da noção de tecnoestética de Gilbert Simondon para o projeto de transformação da tecnologia de Andrew Feenberg”, de Jairo Dias Carvalho, que trata da influência de Simondon sobre o trabalho de Feenberg.
Entre o discreto e o contínuo
Outro tema que emergiu no último encontro foi o papel do monismo e uma noção subjacente de Unidade na obra de Simondon. Embora não relacionado diretamente com o tema, a aproximação entre monismo e tecnicidade lembrou os debates a respeito do discreto e do contínuo, do analógico e do digital na filosofia.
Sobre o tema, vale a pena conhecer o artigo “Quantifying the World and Its Webs: Mathematical Discrete vs. Continua in Knowledge Construction”, de Giuseppe Longo. O texto é uma introdução à carta que Longo escreveu a Alan Turing ainda em 2018 problematizando as duas noções.
Outra contribuição interessante sobre o tema é o artigo de Alexander R. Galloway e Jason R. LaRivière sobre a noção de “compressão” na filosofia e sua relação com a questão da escrita, principalmente a partir do enfoque gramatológico de Derrida.
De Galloway, também vale considerar o livro Laruelle: Against the Digital, que aborda o pensamento do filósofo francês François Laruelle. Criador de uma obra singular, Laruelle é, para Galloway, um pensador do analógico, argumento que é baseado justamente na prevalência do Um para sua “não-filosofia”.
Essas referências não esgotam necessariamente o tema, mas apontam para a relação mais ampla de Simondon com outras temáticas do pensamento contemporâneo, principalmente da filosofia continental, que agora voltam à tona.
Outras referências
No Twitter, a conta SimondonBot retuita automaticamente publicações que mencionem o nome do filosofia francês (vale a pena tentar, nunca falha). Entre os materiais indexados pela conta, está uma entrevista feita em 1968 em três partes, com cerca de uma hora de duração, para a televisão francesa. Os vídeos estão disponíveis no YouTube aqui, aqui e aqui.
O antropólogo Michael Taussig também foi mencionado no último encontro. Dono de uma obra vasta e inovadora, subimos na pasta do GTec o livro O diabo e o fetichismo da mercadoria na América do Sul, publicado em 2010 no país. No livro, o antropólogo australiano discute a relação entre a noção de mercadoria, a adoção do capitalismo por comunidades tradicionais na Colômbia e na Bolívia e suas compreensões da natureza. Conforme a terra e o trabalho se tornam mercadorias, a figura do Diabo surge como mediadora entre o mundo atual e o sobrenatural, substituindo as lógicas do dom e da reciprocidade que antes imperavam. O livro é uma aula de antropologia.
O original em inglês está disponível aqui. Para quem quiser se aprofundar na obra de Taussig, também acrescentamos na pasta do GTec o livro Xamanismo, colonialismo e o homem selvagem, editado pela Paz e Terra em 1987 e atualmente esgotado.
A história do cargueiro Ever Given, preso no Canal de Suez, no Egito, já é uma das principais histórias do ano. O navio encalhado, que ficou cerca de uma semana preso no estreito canal egípcio, levou à paralisação de cerca de 12% do comércio mundial. O tema também motivou uma séria reflexão sobre o papel da logística na atualidade, o que deve interessar todas e todos que se preocupam com a materialidade das nossas redes de práticas e discursos.
Sobre o assunto, fica a lista de obras mencionadas nessa thread de Charmaine Chua no Twitter, com diversas leituras do campo da “logística crítica”. Chua também escreveu uma série de textos sobre sua experiência num cargueiro da Evergreen, empresa à qual pertencia o navio encalhado em Suez. No último texto da série publicada ainda em 2015, disponível aqui, ela reflete sobre a relação entre logística, consumo e rejeitos, argumentando que a produção de lixo é o reverso da logística contemporânea. Por fim, o Bellingcat, grupo inglês de OSINT, dedicado à utilização de ferramentas open-source para a investigação em direitos humanos, listou uma série de ferramentas para acessar imagens de satélite nas quais o navio podia ser visto.
Para mais uma leitura crítica sobre infraestrutura, tecnologia e a criação de mundos alternativos, vale a pena ler a contribuição de Sasha Shestakova para a &&& Platform, mantida pelo New Centre for Research & Practice. O texto foi traduzido pelo nosso colega Rafael Moscardi e logo mais estará disponível também em português.
Já em “Informatics of the Oppressed”, publicado na Logic Magazine, Rodrigo Ochigame entrevê histórias alternativas possíveis para os sistemas de informação modernos ao abordar as iniciativas de Cuba e da América Latina no geral, a partir da Teologia da Libertação, com um capítulo importante no Brasil, para a criação de redes de informação nas quais não apenas circulavam conteúdos relacionados à resistência ao imperialismo norte-americano, mas também introduziam novas formas de classificação que davam maior concretude a essas redes alternativas.
A questão da tecnodiversidade, ainda que sem mencionar explicitamente o conceito, foi abordada nessa interessante peça da Noema Magazine. Trabalhando a diferença entre as percepções ocidental e oriental a respeito da tecnologia, o texto destaca como a percepção ocidental da automação reflete visões racializadas sobre a subjetividade política oriental.
Muito se fala em visão maquínica, mas e a escuta? O site Machine Listening traz uma série de entrevistas com pesquisadores que abordam como as máquinas escutam, o que elas ouvem, como falamos com elas e quais são os problemas envolvidos com aparelhos cada vez mais atentos ao que dizemos. Vale a pena conferir.
E, para outras duas referências relacionadas mas não tão relacionadas aos temas abordados nessa edição, acrescentamos na pasta do GTec os livros The Fifth Hammer: Pythagoras and the Disharmony of the World, de Daniel Heller-Roazen, e Shanghai Future: Modernity Remade, de Anna Greenspan. O primeiro é uma reflexão sobre o papel da harmonia e o que a excede na música ocidental; o segundo livro, por sua vez, é uma análise do processo de remodelagem e construção em Shanghai. Para Greenspan, conforme a cidade cresce e se renova, ela também recria o próprio significado que é ou pode ser o futuro.
Tapeçaria completa de Marilou Schultz, artista navajo, que estampa o card do próximo encontro do GTec. Schultz, nascida em 1954 no Arizona, recebeu uma comissão da Intel em 1994 para replicar em tapeçaria uma placa de circuitos. Em 2008, o Nerman Museum, no Kansas, comissionou uma segunda tapeçaria, de modo a destacar a participação de mulheres navajo na construção dos componentes eletrônicos produzidos pela Fairchilds Industries no Novo México. Untitled (2008), a obra acima, foi exposta na Documenta 14, em 2017.
Essa foi a nova edição da newsletter do GTec. Compartilhe, divulgue e se inscreva para receber nossas novidades. A newsletter é enviada quinzenalmente.
Lembrando que o GTec é uma atividade apoiada pela Associação de Pesquisas e Práticas em Humanidades, com sede em Porto Alegre e ramificações por todos os lugares que a internet alcança. É uma organização sem fins lucrativos, mantida apenas pelo trabalho dos colaboradores e pelas atividades realizadas nela. Por esse motivo, se você puder, apoie a APPH através da conta do apoia.se/apph