GTec - Newsletter - 05.08
Newsletter quinzenal do Grupo de Estudos em Filosofia e História da Técnica
Olá, pessoal, esta é a mais nova edição da newsletter do GTec. Nela, divulgaremos o próximo encontro e falaremos sobre raça, tecnologia, Stiegler e sonoridades, com uma breve passagem por Paul Gilroy.
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Próximo encontro
Nossa próxima reunião será na quarta-feira, 11/08, às 18h. O evento será criado logo mais no Facebook, para quem quiser confirmar presença e acessar o texto por lá, ao passo que as demais informações estão disponíveis no site da APPH. Lembrando que o link da reunião estará disponível no site da APPH logo antes do encontro.
Nossa leitura da semana será a introdução e o capítulo “Engineered inequality”, do livro Race After Technology, de Ruha Benjamin.
Lançado em 2019, a leitura se insere na continuidade da investigação sobre a relação entre o humano e a tecnologia. Se, como afirma Paul Gilroy na abertura de Entre Campos, o sequenciamento genético inviabiliza a ideia de “pureza racial”, por outro lado a categoria de “raça” é atualizada de diferentes maneiras por relações de poder, enquadramentos discursivos e dispositivos tecnológicos. É nesse sentido que Benjamin faz sua intervenção no debate sobre raça e tecnologia.
Em cinco capítulos, a autora destaca como a raça é trabalha na indústria da tecnologia moderna, desde as práticas de reconhecimento facial até o trabalho de artistas e ativistas que procuram desfazer as relações de poder presentes nelas. Para a autora, o novo “Jim Code”, em referência às leis Jim Crow do final do século XIX nos Estados Unidos, reforça concepções prévias de raça através da crença no progresso tecnológico irrestrito, assim como da neutralidade da tecnologia. Entretanto, tais situações apontam não apenas para a necessidade de melhores sistemas tecnológicos capazes de reconhecer a diversidade racial, mas principalmente para a percepção de que, no sistema técnico atual, a própria raça é um operador do desenvolvimento da tecnologia.
Nesse sentido, a leitura de Benjamin permite conectar o momento atual com a formação do capitalismo moderno e da própria modernidade, quando o trabalho escravizado, diferenciado racialmente, se tornou a mão-de-obra predominante da acumulação capitalista. Nessa conexão entre épocas distintas, percebe-se que “raça” é uma das tecnologias do capitalismo.
O livro está disponível na pasta do GTec no Google Drive no formato .epub. Para acessá-lo, basta clicar aqui.
Dark Matters
O tema do viés algorítmico é um dos mais candentes no debate sobre tecnologia atual, uma vez que toca nos fundamentos da computação - como a presença de termos racistas nas linguagens de programação, como “master” e “salve” -; na falta de diversidade dos cursos de computação e da indústria da tecnologia; na aplicação de técnicas de vigilância com resultados, no mínimo, controversos; e, por conseguinte, na execução de pesquisas, funcionamento de aplicativos e análises de dados com grandes implicações para populações e grupos em situação de subalternidade.
Em todos os casos, o que se mostra é a relação complexa e difícil estabelecida entre a tecnologia, com seu princípio de neutralidade e objetividade técnica, e a racialização de grupos, como a população negra, que se encontram, desde o início, marcados pela “linha de cor”, para lembrar de Frederick Douglass, supostamente imperceptível para a tecnologia.
Uma série de trabalhos têm abordado essas questões, dos quais se destacam o livro de Safiya Umoja Noble, Algorithms of Oppression, já citado nas newsletters do GTec, e, de Simone Brown, Dark Matters. Este último questiona precisamente a intersecção entre práticas de vigilância e racialização na indústria tecnológica atual, destacando como a raça, principalmente quando se tem em mente pessoas negras, é tanto o objeto “criado” quanto “ofuscado” e invisibilizado no uso das tecnologias de vigilância.
Para além disso, também vale a pena destacar algumas iniciativas brasileiras sobre o assunto. Nunca é demais mencionar o trabalho de Tarcizio Silva, cuja newsletter Desvelar já apareceu também nas edições deste informe. Recentemente, o pesquisador comentou no Twitter a respeito de uma importante pesquisa sobre o impacto do racismo algorítmico sobre negócios de pessoas negras nos Estados Unidos.
Também fica a dica para seguir o Minas Programam, grupo colaborativo que oferece cursos para mulheres e pessoas não-binárias, sobretudo negras, para aprenderem programação. O Minas Programam está completando seis anos e lançou uma newsletter própria, a qual pode ser assinada aqui.
Outra iniciativa, por fim, é a plataforma Gênero e Número, que trabalha com jornalismo de dados para tornar mais visíveis questões de gênero e raça. Recentemente, a plataforma publicou uma thread no Twitter com uma série de webdocumentários com videorreportagens do grupo. Segue o link para conhecer o trabalho do grupo.
Stiegler, Stiegler, Stiegler
Em nosso último encontro, acabamos nos debatendo sobre uma dificuldade encontrada na leitura de Técnica e tempo, de Bernard Stiegler, qual seja, em que medida o autor esposa uma concepção “descarnada” de modernidade que o leva a aceitar o pressuposto heideggeriana acerca da perda de transcendência do mundo com o predomínio da técnica? Até que ponto a técnica é uma disrupção na tessitura da vida humana e, com isso, seus desdobramentos na modernidade devem ser palco de um “retorno” a uma situação prévia, como na leitura de Heidegger, ou é possível (ou necessário) buscar outra solução?
Felizmente, essas questões não parecem resultar apenas da leitura feita pelo GTec do livro de Stiegler, mas parecem revelar uma tensão própria do pensamento de Stiegler na obra. Como destacou nosso colega Pedro Drumond, o filósofo francês parece conceder tudo a Heidegger, menos a vitória.
Para lidar com essas questões, preparamos um pequeno dossiê a respeito do pensamento de Stiegler e, sobretudo, do primeiro volume de Técnica e tempo. Os artigos estão reunidos numa pasta específica no Google Drive do grupo.
Começando com a contribuição de Daniel Ross, tradutor de Stiegler para o inglês, que ofereceu uma síntese do primeiro volume de Técnica e tempo, os artigos selecionados passam pelo entendimento do tempo na modernidade para o auto francês - “The Reality of Real Time”, de Judith Wambacq -; discutem a relação entre tempo, memória e tecnologia na sua obra - “Dead Memories: Heidegger, Stiegler, and the Technics of Books and Libraries”, de David Tkach; “Cinema as Mnemotechnics: Bernard Stiegler and the industrialization of memory”, de Ben Roberts -; discutem conceitos específicos de sua obra, como o artigo de Jochem Zwier, “On Originary Technical Mediation”, ou “Of A Mythical Philosophical Anthropology: The Transcendental and the Empirical in Technics and Time”, de Michael Lewis; e, por fim, relacionam sua obra com o pensamento de outros autores, como nas contribuições de Nathan Van Camp e Pieter Lemmens.
Os textos são parte de um arquivo de escritos sobre Stiegler que esperamos que cresça ao longo dos próximos encontros, conforme entramos cada vez mais em seu pensamento.
Com relação a isso, também vale a pena destacar o vocábulo “Memory”, escrito pelo próprio filósofo e editado no volume Critical Terms for Media Studies, de W. J. T. Mitchell e Mark B. Hansen. O capítulo e o livro são cortesia do nosso colega Gabriel Gonzaga.
Por fim, o artigo de Judith Wambacq mencionado acima é parte de um dossiê publicado na revista New Formations em 2012 dedicado exclusivamente à obra de Stiegler. Destacando os conceitos de “técnica”, “política” e “individuação”, o dossiê explora diferentes cantos e recortes do pensamento do autor. Infelizmente, além do artigo de Wambacq, disponível na página da autora no academia.edu, somente a introdução, assinada por Jeremy Gilbert e Ben Roberts está disponível online.
Se alguma alma caridosa e com mais habilidade técnica conseguir acesso aos artigos, nos avise para incorporá-los à nossa pasta sobre Stiegler.
Culturas do som
É difícil superestimar a importância da música para as culturas negras, sobretudo as afrodiaspóricas. Em contextos nos quais as populações então escravizadas estavam desprovidas de meios de produção cultural como a escrita e a produção imagética, a música era um dos principais recursos para a criação de um mundo comum.
Quanto a isso, fica a referência do livro The Sound of Culture: Diaspora and Black Technopoetics, de Louise Chude-Sokei. Para além de uma reflexão sobre o papel da música para a população negra norte-americana, o livro é também uma revisão do recorte entre humano e máquina desde o século XIX, trazendo reflexões de contextos variados, inclusive o europeu.
Na mesma toada, vale a pena também lembrar de Phonographies: Grooves in Sonic Afro-Modernity, de Alexander G. Weheliye, autor seminal para compreender e problematizar, a partir do pensamento negro, a mesma constelação de problemas de Chude-Sokei: o humano, as máquinas e a tecnologia.
Para ficar com outras três referências que abordam o som como problema teórico, vale mencionar a exploração de Steve Goodman dos usos bélicos da sonoridade em Sonic Warfare; para uma bela arqueologia dos formatos de som, fica a dica de Mp3: The Meaning of a Format, de Jonathan Sterne; e, por fim, já citado por aqui, o livro An Epistemology of Noise, de Cecilia Malaspina, que aborda a comunicação através de uma tipologia do ruído.
Outras referências
O último humanista? O jornal inglês The Guardian publicou um belo perfil de Paul Gilroy, um dos pensadores mais citados em nossas reuniões. O perfil é especialmente útil por debater o significado do “humanismo” de Gilroy frente a desdobramentos mais recentes do pensamento negro, principalmente o afropessimismo, além de introduzir a obra de Gilroy para um público amplo.
Da nossa parte, é importante ver a obra de Gilroy sendo apreciada e mencionada no contexto do debate sobre o humano em geral. Em certo sentido, isso confirma nossa intuição (e de inúmeros outros pensadores) que o debate sobre raça tem validade filosófica mais ampla, questionando as estruturas que levaram aos resultados perversos sofridos pelos grupos radicalizados na contemporaneidade.
Um livro mencionado em nosso último encontro e não citado até o momento em nossa newsletter é A comunidade dos espectros, de Fabián Ludueña Romandini. Publicado no Brasil pela editora Cultura & Barbárie, a obra, dividida em dois volumes, não deixa de ser uma reflexão sobre o papel da técnica na conformação do humano, o que implica também testar os limites do antropocentrismo sobre uma base que reconhece o compartilhamento do mundo com outros “terrenos”. O primeiro volume pode ser lido em .pdf na pasta do GTec no Google Drive.
Still de Nothing Hill Carnival 83-86, de Dick Jewell. O curta, com cerca de meia hora, registra a celebração das comunidades afrodiaspóricas caribenhas do Reino Unido, realizada no verão inglês desde o final dos anos 1960. Para quem quiser assistir, o filme está disponível na plataforma Le Cinema Club.
Essa foi a nova edição da newsletter do GTec. Compartilhe, divulgue e se inscreva para receber nossas novidades. A newsletter é enviada quinzenalmente.
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