GTec - Newsletter - 05.03
Newsletter (mais ou menos) quinzenal do Grupo de Estudos em Filosofia e História da Técnica
Olá, pessoal, esta é a nova edição da newsletter do GTec. Nesta edição, divulgaremos o próximo encontro, que ocorrerá excepcionalmente na quinta-feira, 18/03, divulgaremos as leituras e outras referências sobre Friedrich A. Kittler, nosso autor da quinzena, além de mais textos sobre Simondon, Derrida, a origem do Estado, religião, Machado de Assis, descontração e muitos, muitos eventos na área de estudos críticos de tecnologia.
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Próximo encontro
Nosso próximo encontro será na quinta-feira, 18/03, às 18h. O evento já foi criado no Facebook, onde também está o link para as leituras do dia. Lembrando que o link para a reunião estará disponível no site da APPH logo antes do início da reunião.
No próximo encontro, leremos a introdução e a terceira seção do livro Gramofone, Filme, Typewriter, de Friedrich Kittler, cuja edição brasileira recentemente foi lançada pela Editora da UFMG e pela EdUERJ. O mote para a escolha do texto ocorreu após a percepção da relativa ausência em Gilbert Simondon da relação entre os dispositivos técnicos e o pensamento. De que maneira os aparelhos que temos condicionam a expressão e a realização do pensamento? Como atualizar a pergunta gramatológica de Jacques Derrida?
Todas essas questões são radicalizadas por Kittler no livro. Leremos o prefácio e a introdução do livro, além da seção “Typewriter”, na qual estão presentes a materialidade da mídia, seu relacionamento com a corporeidade da voz, o ultrapassar da representação e a relação entre as mediações técnicas do pensamento e os desdobramentos culturais, sociais, políticos e, sobretudo, militares mais amplos.
A introdução e o capítulo já estão disponíveis na pasta do GTec no Google Drive, disponíveis aqui e aqui. Também disponibilizamos a versão original em alemão e a tradução em inglês do livro.
Recomendamos fortemente também apoiar o trabalho dos tradutores e da Editora UFMG e EdUERJ adquirindo o livro, que está com desconto no site da Editora UFMG.
Mais Kittler
Friedrich Kittler é um autor cada vez mais lido no Brasil. Além de Gramofone, Filme, Typewriter, a editora Contraponto também editou nos últimos anos os livros Mídias ópticas, um curso ministrado pelo autor em 1999 em Berlim, e A verdade do mundo técnico, coletânea de artigos e escritos menores do autor que mostram a amplitude de seus interesses: o romantismo alemão, a história da tecnologia, o advento das novas mídias e a origem da tecnicidade na Grécia antiga.
Nosso colega Vinicius Portella, junto de Leonardo Lamha, gravaram recentemente um vídeo sobre a obra de Kittler que é uma introdução oportuna a seu pensamento. Kittler também é um dos fundadores da chamada “Teoria Alemã da Mídia”, mais ou menos associada à “arqueologia das mídias”. Uma boa contextualização da abordagem alemã da mídia, com todos seus limites e possibilidades, está presente na tese de doutoramento de Marcio Telles da Silveira.
Também vale a pena conferir a introdução de David Wellbery na edição norte-americana de Discoursive Networks 1800/1900, resultado da tese de qualificação de Kittler para a docência na academia alemã. Wellbery resume o argumento de Kittler no livro, o qual relaciona o romantismo alemão, o entendimento da voz e a tecnicização da escrita e o surgimento da burocracia moderna, junto à importância de seu pensamento na guinada pós-estruturalista francesa. De certa forma, a pergunta pela materialidade do pensamento é levada ao limite em seu trabalho. Trata-se de um ótimo texto, com a típica capacidade de síntese e profundidade de Wellbery.
A expressão “discourse networks” é a tradução para o inglês do termo alemão Aufschreibesystem, originalmente utilizado por Kittler. Em português, o termo pode ser vertido como “sistemas de notação” ou “sistemas de anotação”.
Por fim, o legado da obra de Kittler para os estudos de mídia e comunicação foram objeto de duas coletâneas recentes: Media after Kittler, editada por Eleni Ikoniadou e Scott Wilson, e Kittler Now, organizada por Stephen Sale e Laura Salisbury.
Ainda mais Simondon
A inesgotável obra de Simondon ainda rendeu outras referências comentadas ao longo do encontro. Nossa colega Silvia Maria comentou acerca da aproximação entre a noção de reticulado, em Simondon, e a teoria ator-rede, articulada, entre outros, por Bruno Latour. O artigo “Reticulações: ação-rede em Latour e Simondon”, de Pedro P. Ferreira, discute exatamente essa aproximação.
Já o significado da ontogênese e a adoção do método genético por Simondon é objeto da tese de Lucas Paolo Sanches Vilalta, “A criação do devir: ética e ontogênese na filosofia de Gilbert Simondon”, defendida no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da USP. Vilalta destaca a relação entre ontogênese e ética, ressaltando as dimensões individual e coletiva da individuação simondoniana.
Já Aud Sissel Hoel utilizou o pensamento de Simondon para refletir sobre o caráter “operatório” e as mediações maquínicas das técnicas médicas de imagem, como a ressonância magnética. Seu artigo é valioso por explorar conjuntamente as teorias de mídia e a filosofia de Simondon.
E mais sobre técnica
Derrida é outro nome que rondou o último encontro e já apareceu nesta edição da newsletter. Sobre o pensamento de Derrida e a reflexão sobre a técnica, vale a pena conferir o texto “Heidegger’s Hand (Geschlechte II)”, publicado em coletânea de artigos do autor. No capítulo, o filósofo francês reflete sobre a materialidade da escrita de Martin Heidegger, objeto também da reflexão de Kittler.
Outra referência é o artigo de Susanna Lindberg, “Derrida’s Quasi-Technique”, que também aborda a relação entre os dois filósofos. No artigo, Lindberg propõe que, para Derrida, a técnica possibilita apenas uma quase-filosofia, o que é um resposta com base na desconstrução à tentativa de Heidegger, ulteriormente mal-sucedida, de procurar a “essência da técnica” e, com isso, responder a sua época. Para Lindberg, uma quase-filosofia demonstraria como “pensar a técnica na ausência de uma essência e como ausência de uma essência”.
3TRG
O grupo-irmão do GTec, 3TRG, coordenado conjuntamente pela APPH e pelo Digital Democracies Group, da Simon Frasier University, no Canadá, volta a se reunir na próxima segunda-feira, 08/03, às 15h. O texto para o encontro é “Elements of a Philosophy of Technique”, de Ernst Kapp (1808-1896), que avança a ideia dos objetos técnicos como projeções do ser humano. O texto pode ser encontrado na pasta do 3TRG no Google Drive e o link para a reunião estará disponível no site da APPH logo antes do encontro.
Outras referências
Para continuar no enquadramento oferecido por Kittler, Marília Librandi-Rocha tem estudado a relação entre audição, aparelhos técnicos e literatura nas obras, entre outros, de Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Machado de Assis. Para uma introdução a sua abordagem, vale a pena conferir o artigo “Machado de Assis e o eco fonográfico”, publicado na Revista Estudos Literários e também disponibilizado na pasta do GTec. Um segundo artigo busca teorizar sobre o que a autora chama de “escritas de ouvido”.
A filosofia crítica da tecnologia foi abordada por nosso colega Rafael Moscardi Pedroso com referência ao trabalho de Andrew Feenberg e sua noção de “códigos técnicos”. Uma abordagem inicial da proposta, feita pelo próprio autor, pode ser encontrada em artigo de 2005 publicado na revista Tailoring Biotechnologies. Vale a pena conferir.
Por ocasião da mediação entre o mundo e o ser humano proposta por Simondon com relação à magia, à técnica, à religião e à estética, Gabriel Gonzaga lembrou do texto “A dívida do sentido”, do antropólogo francês Marcel Gauchet. No texto, Gauchet propõe que a origem do Estado ocorre após a interiorização da distinção entre humanos e deuses, criando as clivagens sociais que justificam a complexificação social estatal. O texto não se encontra online, mas o livro Le désenchantement du monde, no qual Gauchet desenvolve o argumento, está disponível na pasta do GTec. Para uma discussão do conceito, fica a referência do artigo de Hiberle Hirgsberg Horácio publicado em 2010 na Sacrilegens.
Também comentamos sobre o texto “Scattered speculations on the subaltern and the popular”, de Gayatri Spivak, no qual a autora parte da crítica literária e o lugar da categoria de subalterno e termina na reflexão sobre a teoria do valor. A relação entre Spivak e o pensamento de Marx é abordada por Noel Castree em texto da Rethinking Marxism, disponível aqui.
A relação entre raça, utopia e técnica foi mencionada por ocasião do romance O quarto século, de Édouard Glissant. O livro foi publicado no Brasil em 1986 pela Guanabara, mas não está disponível online. No ano passado, Sidinei Eduardo Batista e Mateus Fernando de Oliveira abordaram a questão da identidade martinicana assumindo como objeto justamente o romance. Fica o link para o artigo.
Os mesmos temas são abordados em duas coletâneas recentes, uma delas já publicada; a outra, aguardando lançamento. A primeira é The Digital Black Atlantic, editada por Roopika Risam e Kelly Baker Josephs, que aborda a relação entre as humanidades digitais e os estudos sobre o Atlântico negro; a segunda é Knowledge Justice, organizada por Sofia Y. Leung e Jorge R. López-McKnight e que trata da reconfiguração das ciências da informação a partir de perspectivas teóricas embasadas em conhecimentos indígenas e na tradição do pensamento negro.
Para eventos na área de métodos e estudos críticos em tecnologia, fica a dica dos cursos da Escola de Verão do IBICT, ligado à UFRJ. Os cursos ocorrerão entre 9 e 19 de março. Mais informações aqui. As aulas serão disponibilizadas no canal de YouTube do próprio IBICT.
Já o Culture Hub dá prosseguimento à programação iniciada com The Dada of All Demos, que mencionamos em edição anterior da Newsletter, com a Computer Mouse Conference. Serão dois dias dedicados a explorar “o que o mouse vê” e, por conseguinte, o que vemos e como interagimos com os computadores através dos dispositivos à sua volta.
Por fim, terça-feira 10/03, às 12h, Anna Longo e Carl Sachs debaterão os problemas de escala para pensar a possibilidade de um “comunismo cibernético”, buscando inspiração no pensamento de Wilfrid Sellars e nas experiências históricas do comunismo no século XX. A discussão, moderada por Federico Nieto e Edna Amador, será transmitida pelo YouTube e faz parte da série de discussões Sheltering Places, organizada pelo The New Centre for Research & Practice. Vale a pena conferir também as demais gravações da série, que já contaram com Reza Negarestani, Mohammed Salemy, entre outros.
Fotografia de espíritos feita por William H. Mumler na década de 1860, em Nova York. O trabalho de Mumler motivou um extenso processo jurídico através do qual foi estabelecido o papel das fotografias enquanto evidências jurídicas, tal como abordado por Jennifer L. Mnookin em monografia de 1998. Fotografias de fantasmas, assim como a própria crença em espíritos, são mencionadas por Kittler como um dos resultados do aparecimento dos novos aparelhos de imagem na primeira metade do século XIX.
Essa foi a nova edição da newsletter do GTec. Compartilhe, divulgue e se inscreva para receber nossas novidades. A newsletter é enviada quinzenalmente.
Lembrando que o GTec é uma atividade apoiada pela Associação de Pesquisas e Práticas em Humanidades, com sede em Porto Alegre e ramificações por todos os lugares que a internet alcança. É uma organização sem fins lucrativos, mantida apenas pelo trabalho dos colaboradores e pelas atividades realizadas nela. Por esse motivo, se você puder, apoie a APPH através da conta do apoia.se/apph.